sexta-feira, 19 de março de 2010

MOISÉS NÃO ESCREVEU O GÉNESE

O Génese, segundo a tradição, foi revelada por Deus e escrita
pelos patriarcas hebreus; diz-se que também por Moisés.
Esta explicação escapa a toda crítica racional e é provável
que o Livro I da Bíblia se tivesse inspirado na
História Fenícia, escrita por Saconíaton muito antes
dos hebreus serem conhecidos e terem escrito o Antigo Testamento.
Evidentemente, seria muito vantajoso para alguns negar a
grande antiguidade deste livro tão precioso para a história humana,
ainda que ele deixe por terra alegações consideradas como sagradas.
Se o Génese é um documento falso, ou uma cópia,
a Bíblia não tem qualquer valor, os Hebreus não passam de
amáveis inventores de lendas e o Senhor é um fantasma
ao qual é inútil invocar, orar ou temer.
Por aí se vê o interesse capital que tiveram os crentes
de alegar que o livro de Sanconíaton(2.000 a.C.) era  ou uma pura
invenção literária ou uma obra mais recente que a Bíbila.
Como se tornava perigoso provocar um debate publico sobre
este enigma,  a melhor política foi a de mergulhar
o livro no esquecimento. Foi o que se fez.
Já tinheis ouvido falar de Sanconíaton ?
A ordem para que ele fosse esquecido foi bem seguida !
Oa ateus, muitas vezes pouco versados em conhecimentos
históricos, negligenciaram o autor fenício,
e os historiadores cultos que pudessem falar dele
tomaram precauções para não terem de enfrentar
a implacabilidade da justiça cristã.
A História Fenícia não chegou até nós.
Foi traduzida no século I por Filon de Biblos (64-141),
tradução que desapareceu misteriosamente,
como misteriosamente desapareceram durante os primeiros
séculos da nossa era os livros de História antêntica
que pudessem ser contrários à História segundo o
Antigo e o Novo Testamento.
Nada teria ficado da obra de Sanconíaton se,
no século III, uma controvérsia célebre não tivesse oposto
o sábio filósofo grego Porfírio (232-304)(de origem síria)
a Eusébio, bispo de Cesaréia(265-339).
Um deles, Porfírio baseando-se na tradução de Fílon
(que ainda existia), declarava que Moisés tinha copiado
da História Fenícia o essencial dos textos da Génese.
O outro, Eusébio, refutava Porfírio, reproduzindo
as principais passagens do livro.
Em quem acreditar, naquele que, formalmente, acusava
Moisés de plágio, ou naquele que afirmava que a Génese era
o fruto de uma revelação divina concedida ao
grande patriarca ?
Eusébio, para destruir os argumentos de Porfírio,
publicou primeiro textos da História Fenícia, depois assegurou
que Sanconíaton nunca tinha existido, e que o
livro tinha sido escrito por Fílon para combater
o cristianismo.
De repente, a querela mudava de tom:
o bispo de Cesareia, implícitamente, reconhecia portanto
que um fragmento do texto fenício era identico
à Génese da Biblia, mas alegava que Fílon era
um falsificador.
Foi uma tática desastrosa, porque vários autores antigos
tinham falado do historiador fenício e, referindo-se ás
suas citações,  o gramático Suídas(1000 d.C.) pôde mesmo revelar
os títulos de três das suas obras, das quais uma parte foi
recolhida nos Fragmenta Historicorum Grecorum(1584) de C. Müller.
Eusébio não manteve a sua acusação e contentou-se
em baralhar as cartas para semear a dúvida.
"De resto -- citamos o historiador Ernest Renan(1823-1892) --
Porfírio não era um falsificador,
mas um bibliófilo erudito.
O seu caráter, tanto quanto se pode julgar pelos próprios
escritos, foi de um polígrafo concencioso...
começando por nos surpreender o seu tom de boa fé...
Expõe com simplicidade o desejo que tinha de conhecer
a verdade, os trabalhos porque passou para o conseguir,
a grande quantidade de livros que leu, as dúvidas que lhe
causaram divergências de certos testemunhos."
Entre o honesto Porfírio e o piedoso Eusébio,
há que escolher !
Para complemento de informação, devemos assinalar
que Eusébio, ainda que seja o precioso escritor da
História Eclesiástica, tem uma reputação extremamente
duvidosa no que se refere aos fatos que relata.
O historiador inglês Eduardo Gibbon (1737-1794), censura-o por
não ter passado do papel de cortesão do imperador pagão
Constantino e por ter dado provas constantes de falta de
boa-fé na exposição dos acontecimentos que relata.
Segundo Gibbon, Eusébio estende-se com complacência
sobre tudo o que pode manter a honra do cristianismo
e suprime sistemàticamente tudo quanto for de
natureza a comprometê-lo.
A parcialidade de Eusébio em relação a Constantino
é efetivamente notória.
Por outro lado, um capítulo de sua Demonstração Evangélica
tem um título sobre o qual o menos que se pode dizer é que é
curioso: Até que ponto é permitido empregar a mentira como
remédio para aqueles que este método pode converter !
Não queremos fazer o processo da fraude piedosa,
mas torna-se agora fácil escolher entre o honesto
Fílon e o bispo de Cesareia.
Apesar de tudo tentemos ser justos:
Eusébio era um bom homem, que, embora cego pela sua fé,
nos merece uma imensa gratidão porque foi através dele
que nos foi transmitido o único fragmento da hitória autêntica
da nossa civilização.
Ousamos crer que o leitor reticente, mas de boa-fé,
depois desta exposição, ficará um tanto ou quanto abalado
quanto à existência positiva duma central de contraverdade.

Robert Charroux (1909-1978) arqueólogo francês
Le Livre des Maitres du Monde

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